Caty atravessando o espelho...

Fazia tempo que Caty não ia para a casa de seus avós, na verdade, desde que mudara de cidade não os via, porém a saudade era algo suportável, já que existia telefone. Chegar em sua cidade natal foi estranho. As ruas iguais, o trânsito igual, os amigos do mesmo jeito e ela se sentindo muito diferente.

Passou a tarde com as amigas, ouvindo as novidades (quem tinha casado, quem tinha tido filhos e quem estava se separando). Caty achava tudo tão monótono e sem graça, sentia falta de sua gatinha e da companhia agradável que ela era. Resolveu voltar. Entrou pelo portão de ferro e viu que estava sozinha. Foi caminhar no quintal, tendo lembranças de sua infância, das brincadeiras nas árvores, dos cachorros. Estava muito silencioso. Lembrou-se do pé de carambola e foi tentar pegar uma fruta. Subiu na árvore, ralou a perna, xingou e de repente ouviu uma música suave. Parecia que vinha do vizinho, mas era tão próxima como se tocasse dentro de seu peito. Sentiu-se meio zonza e apagou.

Acordou caída embaixo do pé de carambola. Levantou ainda tonta, porém tinha algo diferente. A casa estava barulhenta, ela ouvia a voz de sua mãe chamando ao fundo:  "Caty, saia do quintal, você não tem mais idade para isso, o reporter está aqui já!".

Caty pensava: "Reporter? Minha mãe não estava viajando?"

Sem entender foi para a sala. A casa tinha outra decoração. Móveis novos, cozinha moderna. Seus avós estavam bem vestidos e sua mãe com um nariz novo. Seu pai estava bem mais gordo e rosado.

"Vamos filha, não precisa ficar tímida, o maquiador está ali. O que você tem? Porque está tão quieta?"

"Quem é essa gente, mãe, porque tudo está tão DIFERENTE?"

A mãe a olhou estranho e falou para o reporter: "Desculpe, mas ela chegou muito tarde do show ontem"

Caty não entendia nada. Não sabia que show era esse e se sentia muito confusa. Porém não teve tempo de pensar mais. Foi maquiada e questionada sobre o assédio dos fãs, como era fazer turnê pelo Brasil e o último clipe.

Olhou-se no espelho. Esta muito mais loira, os cabelos bem mais compridos e uma franja espetada cobria seus olhos. Estava mais musculosa também e ligeiramente queimada de sol.

Depois da entrevista pediu para sair um pouco. A mãe lhe entregou uma chave prateada. Era de um carro importado. Olhou, virou a chave e saiu andando pela cidade. Agora todo mundo a via. Tentou ligar para suas amigas. Mas quando falava ouvia gritos e era como se todos a conhecem, mas ninguém a via de verdade. Seu celular não parava de tocar e ela queria mais e mais ficar sozinha. Pensou onde que sua gata Mimi estaria.

Ligou o rádio e ouviu sua própria voz. Olhou para as bancas de revista e sua foto estava em quase todas. Assustada, Caty resolveu voltar para a casa dos avôs. Estacionou o carro na rua de trás, tirou o salto e pulou o muro. Estava novamente embaixo do pé de carambola. Subiu novamente na árvore, sentindo falta das amigas, do gato e da família de antes. Comeu uma fruta e ouviu aquela música. A arvore começou a rodar e novamente apagou.

Acordou no chão com a avó do lado: "Caty, você não tem mais idade para subir em arvores, se machucou?"

E ela nunca se sentiu tão comum e tão bem.

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