O resgate de um guerreiro


A noite estava sem estrelas. Quente. Na floresta, o barulho do vento que sobrava entre as árvores. No meio dela, uma clareira. E uma fogueira queimava alto. Ibiajara era um pequeno índio. De 7 anos. Ainda se sentia muito próximo da sua mãe. Não estava pronto para o ritual. Mas naquela tribo, você não tinha escolha, ou fugia ou enfrentava e ele havia sido ensinado a nunca fugir. Seu nome significava "Senhor do Planalto", e seu pai, um poderoso membro do conselho, sonhava com o momento da transformação de seu filho em guerreiro.

A fogueira queimava forte naquela noite. O cheiro das ervas e a fumaça criavam um clima fantasmagórico na tribo. Todos estavam dentro de suas casas. Ali naquela clareira, apenas Ibiajara e Itagi, o xamã da tribo se preparavam.

A fumaça queimava o peito do menino, deixando-o sem ar. E o xamã jogava mais e mais em seu rosto. Ele deveria se purificar. Elevar seu espírito para as provas que viriam. Ser corajoso. O cheiro de benjoim estava em sua boca, quando o xamã pediu para ele gritar o mais alto que pudesse. O menino gritou, e sentiu como se todos os espíritos antepassados da tribo estivessem em seu peito. O xamã riu satisfeito. E marcou o menino com uma tinta vermelha de cheiro ácido e textura oleosa.

Ibiajara não se lembra como, mas já estava na floresta sozinho. Sentia-se intoxicado pela fumaça. Corria e vomitava pelos cantos. Ardia de ódio e força. Imagens desconexas passavam por sua mente. A floresta que fechava sobre ele, uma coruja gritando alto em seus ouvidos, macacos rindo. E então ele a viu. Poderosa, os olhos brilhando em profundo vermelho. O barulho do rosnado dela. Sentiu seus pêlos arrepiarem e correu. O mais rápido que suas pernas permitiam que corresse. Ela veio atrás dele. Sem esforço algum. Pulou em cima do menino. E ele gritava, chamava pelos espíritos. Buscou toda a força dentro de seu coração.

Sentiu seu rosto rasgar-se. O calor do sangue escorrendo. Tomado de ódio enforcou a pantera. Como prova do animal morto ao seu lado, cortou-lhe a pata. Levaria para a tribo. Andava e o calor em seu corpo aumentava. Parou do lado de um riacho para se refrescar. Porém não tinha forças para abaixar.

Caído do lado do rio, esperou a morte. Abriu lentamente os olhos e viu uma linda índia. Cabelos negros e perfumados tocavam seu corpo. Ela cuidava dele. Jogava água e espalhava ervas em seu ferimento. Balbuciou palavras que ele não entendia e de repente era como se estivesse novamente na fogueira com o xamã. As palavras dela misturavam-se as do xamã. E ele tremia em febre. Seus olhos viravam e ele se debatia. Ela o abraçava e consolava. Acordou de manhã sozinho na mata. Chovia e o cheiro da floresta enchia seus pulmões. Respirou fortemente e colocou a mão no rosto. O ferimento estava cicatrizado.

Ibiajara ficou 10 anos na mata. Caçando, crescendo. Tinha sempre consigo a pata da pantera. Para lembrar daquele dia e principalmente para se lembrar dela. Um dia ao acordar, foi tomado de uma imensa saudade de sua tribo. E resolveu voltar. Lembrava o caminho e andou devagar na floresta. Se despedindo dos animais e das árvores que foram sua família naquele período. Quando entrou, viu a fogueira acesa. O xamã não estava mais lá. Em seu lugar estava uma mulher. Ela o olhava com grandes olhos castanhos. Levantou-se e ele a reconheceu. O mesmo cabelo comprido. O mesmo cheiro. Ela o abraçou e tocou suavemente seu rosto. Beijaram-se. Ibiajara e Jaciaba tornaram-se chefes da tribo. E dessa união Moema nasceu. Uma menina guerreira e poderosa. Como seu pai e sua mãe.


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