Dama da noite

Tinha algo errado com ele, algo que desde aquele incendio no prédio do lado de seu trabalho o atormentava. Uma chama estranha em seus olhos, algo que o consumia por dentro, tornando-o diferente do que sempre foi.

Ele trabalhava no 11 andar de um escritório comercial no centro da cidade. Era de costume ficar até mais tarde. Naquele dia eram quase 10 da noite quando ele ouviu um grito vindo do sobrado do lado. Era um grito de mulher. Uma mistura de prazer e dor. Ficou incomodado, olhou a sua volta para ver se havia alguém no escritório com ele, porém estava sozinho. No segundo grito resolveu descer. Na portaria o porteiro não havia visto ou ouvido nada. Se sentiu louco e voltou para sua baia, até ouvir outro grito, um diferente dessa vez, que vinha de dentro de sua cabeça chamando seu nome: - Lucas! Com um arrepio e um frio no estomago, Lucas resolveu descer novamente e ver o que tinha acontecido. Quando saiu na rua, o caos imperava. Carros de bombeiros, pessoas olhando preocupadas. Chegou em um bombeiro e perguntou se havia alguém no prédio. O bombeiro disse que não, porém Lucas pediu para procurarem uma mulher, dizendo que havia ouvido um grito feminino alguns minutos antes. Lucas acabou ficando na frente do prédio até as 3 da manhã, quando realmente foi constatado que não haviam feridos.

Trabalhou no dia seguinte, mas aquela voz não saia de sua mente. O tempo passou e ele não conseguia focar em seu trabalho. Ele ouvia a voz dela o tempo todo, chamando-o em desespero. Em um dia tarde no escritório cochilou em sua baia, cansado. A voz o chamava novamente, dessa vez levando-o para uma figura feminina em um corredor longo. Reconheceu o lugar como a antiga estação de trem da cidade e no sonho caminhou até a moça. A figura se transformou em uma linda mulher. Seus olhos em esmeralda profundo olhavam-o por entre os cílios grossos. Os cabelos, loiros e longos refletiam a luz amarelada antiga da estação e seus lábios estavam em um vermelho intenso. Ele ouviu a voz novamente: - Lucas, você é meu agora! Ele pegou em sua mão, sentindo a textura de sua pele fina e macia na sua. Ela era quente, incrivelmente quente. Ele a puxou para si, sentindo seu perfume. Ela cheirava a dama da noite. Doce e misteriosa. Ela retribuiu o abraço encostando seus lábios nos dele. Seu corpo tremia, porém o gosto dela era viciante. Não era apenas um beijo, era como se todo o corpo dela o beijasse, como se cada parte de sua pele o acariciasse. Ele perguntou ofegante seu nome. Ela disse suave dentro de sua cabeça. Lilla.

Acordou assustado sobre sua mesa. Eram 4 da manhã e as luzes já haviam sido apagadas. Saiu correndo e foi para casa. Ainda sentia o gosto de Lilla e seu cheiro em seu nariz, mas tentou não pensar muito no assunto a caminho de casa. Deitou em sua cama e dormiu exausto.

Agora as noites eram assim, com Lilla o preenchendo, amando-se intensamente em sonho. Lucas não percebeu o quanto estava emagrecendo, como seus olhos estavam escuros, como aquele fogo o estava consumindo. Um dia seu chefe o chamou perguntando o que estava acontecendo. Se ele estava doente, pois vinha trabalhado muito e produzido pouco. Pediu para afastar-se um tempo, tirar uma férias.

Aquela noite, porém,  Lucas não sonhou com Lilla.

No dia seguinte acordou cedo, tomou café e se olhou no espelho. Lucas era um homem bonito. Alto, cabelos castanhos escuros, que agora estavam desgrenhado e sem corte. Seus olhos, de um castanho suave e líquido estavam escuros e ele estava com profundas olheiras. Olhou seu corpo. Estava muito magro. Aparentemente tinha perdido uns 12 kilos nos últimos dias. Conseguia ver cada osso de seu corpo. A pele, antes rosada, estava branca e transparente. Tentou lembrar-se da última vez que comeu. Sua vida ultimamente girava em torno de Lilla. Resolveu sair e comer.

Andou pelo centro da cidade. Quando olhou a direita viu a antiga estação de trem. Era lá que sempre se encontrava com Lilla em seus sonhos, porém ver o local de dia, lotado era bem diferente. Foi andando e viu o longo corredor. E de repente sentiu a voz de Lilla em seus ouvidos: - Eu estou aqui Lucas. Procurou a voz desesperadamente. Até que ela o guiou a uma sala no final do corredor. A porta estava trancada, porém assim que chegou perto, ela abriu para ele. O cheiro de dama da noite enchia o ambiente. As paredes sujas abrigavam um pequeno sofá avermelhado e empoeirado pela falta de uso. Ela estava lá. Linda. Os olhos verdes o olharam com carinho e de sua boca um sorriso sincero saiu. Usava um vestido justo esverdeado que dava a sua pele um brilho suave. Ele perguntou se ela era real e pela primeira vez ele ouviu a voz dela em seus ouvido ao invés de só em sua mente. - Sim, Lucas. Tudo foi real. Ele a abraçou com força sentindo seus lábios preenche-lo novamente. Ela retribuiu o beijo como sempre e ele soube que tudo o que achava que era uma ilusão era real. A sensação de calor. A intensidade que ficavam juntos. Deitados nus, sobre o sofa poeirento, ele olhava pra ela com admiração. Em sua cabeça nada existia a não ser Lilla. Ele não percebeu, como seu corpo ficara após o sexo. Como sua pele estava ainda mais fina, como seus olhos estavam ainda mais profundos. Ele apenas a desejou denovo, e denovo, e denovo.

E ela alimentou-se dele, e quando ele não tinha mais forças para abrir os olhos ela disse-lhe suavemente: - Venha querido, venha comigo! Agora seremos só você e eu. E amaram-se pela última vez.

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