Ilha de Delos - A visita

Eu nasci há muitos anos atrás, antes da conhecida sociedade ocidental. Eu venho de uma raça diferente de ninfas. Sou uma Napéia e durante séculos estive apenas nos vales e colinas próximas á Macedônia Oriental.

As montanhas eram rochosas, e no verão a temperatura dentro da mata era muito agradável. Apesar de que eu e minhas iguais dificilmente saírmos da floresta. Nós sempre ficamos escondidas, seguras, era muito raro um humano nos ver. Principalmente agora. A Grécia estava em guerra, e sempre sentíamos o cheiro das batalhas. O exército macedônio circundava a montanha principal, e nós fomos orientadas por Ártemis para ficarmos longe dos olhos humanos. Ártemis estava decepcionada, pois mesmo sendo a favor da caça, ela era contra a morte. Nossa deusa era forte, pura e justa. Ela nos ensinou a respeitar os animais, protege-los. Caçávamos apenas para nos alimentar. Eu por exemplo, quando caçava um animal, pedia-lhe permissão, pois nasci com o dom de entendê-los. O que costumava deixar as minhas iguais irritadas, já que ocasionalmente perdíamos caça pela minha compaixão pelos animais. Mas Ártemis me entendia, ela sabia que eu só caçaria aqueles animais que desejassem morrer. Era uma troca justa.

Estava um dia quente e seco, típico de verão. As montanhas erguiam-se em vários tons de verde, escondendo o solo rochoso em sua exuberância. Saímos cedo, atravessamos nascentes, nos banhando na água fresca. Sem prestar atenção aos chamados, fiquei observando um casal de pássaros a namorar sob um arbusto florido. Acabei me afastando muito das outras. Mas ignorei. Era bom ficar sozinha ás vezes. Resolvi andar mais devagar, sentindo a textura da vegetação em meus pés. Os barulhos da floresta cantavam em meus ouvidos, enquanto pequenas frestas de sol escapavam por entre as folhas lavando meu rosto de brilho.

Foi nesse momento que ouvi patas pesadas e cansadas ao sul. Sabia apenas que era um animal grande e provavelmente machucado. Voltei para trás, indo em direção a ele. Então eu vi um bonito cavalo, seu corpo delgado, cor de terra escura, sua crina lindamente solta. Ele chegou a mim, ofegando, reparei em como ele estava cansado. Toquei levemente seu focinho com minha mão, mostrando a ele o caminho do rio. Ele andou a passos pesados, deitando na beira do leito do rio e sorvendo sua água fria. Vi em seus olhos medo e apreensão.

- O que foi, amigo? – disse-lhe

Ele levantou e me chamou para montá-lo. Sem saber por que eu concordei. Atravessamos correndo a floresta, nos afastando vários kilômetros ao sul de onde eu deveria estar. Entramos mais dentro da floresta, em uma área de mata extremamente fechada. Então eu o vi. Encostado sobre uma grande árvore, seu peito empapado de sangue. Imediatamente me aproximei dele, segurando sua mão.

- Linda deusa, poderás salvar minha vida? – ele me disse ofegante, sua voz sumindo enquanto ele se esforçava para manter-se acordado.

- Tenha calma, eu irei ajuda-lo.

- Ajuda-me – pedi ao cavalo.

O animal me entendeu, claro. E então abaixou-se, colocando o rapaz em seu dorso. Andamos por poucos metros, até uma gruta próxima ao rio. Eu rasguei uma parte do meu vestido de algodão, molhando-o no rio e limpando a ferida do rapaz. Deixei-o dormindo e fui no leito do rio pegar algumas ervas secativas. Após aplicá-las ele estava bem melhor, a febre baixando. Passou a noite e eu ainda estava ali do seu lado. Era muito errado para uma ninfa aproximar-se tanto de um humano. Mas o rosto angelical do rapaz não conseguia me passar qualquer mensagem de perigo.

Adormeci e quando acordei, ele estava sentado olhando fixamente no meu rosto. Enrubesci. Nunca tinha estado perto de um humano antes e não saberia como ele reagiria a mim. Seus olhos estava abertos, as pupilas castanhas me olhando com profundo interesse.

- Eu achei que estava sonhando, ou morrendo. – ele disse.

- Nenhum dos dois. – eu sorri.

Ele era bonito, seu rosto era anguloso, porém magro, seus cabelos eram na altura das orelhas, negros e finos. Seus olhos tinham uma delicadeza quase infantil e seu corpo era atraente também. Enrubesci novamente. Ele sorriu, olhando para seu peito nu.

- Muito obrigado por isso. – ele disse, fechando o único botão que restara de sua blusa.

- Como chegou tão dentro da floresta? – perguntei curiosa.

Ele me olhava, analisando intensamente meu rosto. Eu não tinha a aparência de uma humana. Eu era muito branca, e ao contrário dos gregos, minha pele não se queimava pelo sol, porém eu tinha um leve tom rosáceo, presente na maior parte do tempo em minhas bochechas. Era alta, esguia, cabelos longos claros como a luz do sol da manhã, que caiam quase em minha cintura. Meus olhos tinham a característica das ninfas, claros como água, verde brilhante como o mar do mediterrâneo. Meu leve vestido estava resumido a uma longa túnica rasgada. Ele olhou para meus joelhos e eu os afastei, minhas bochechas tão vermelhas que o rubor ia até meu colo.

- Desculpe – ele disse com os olhos fitando o chão da gruta.

Eu sorri e então ele perguntou.

- Qual é teu nome?

- Alana. E o teu?

- Heitor.

Ele se levantou um pouco tonto pelo ferimento, eu o ajudei a ficar de pé. Ele sentiu o toque de minha pele em seu braço.

- Tão macia.... - ele suspirou.

- Quando a verei novamente? Onde mora? - sua voz era curiosa, quase deseperada.

- Aqui – eu respondi sem pensar.

- Aqui onde? Na floresta? – ele me fitou.

- Isso mesmo – sorri novamente.

- Devo mesmo estar sonhando. Eu voltarei a vê-la, Alana. - seu tom de voz era decidido.

- Eu também.

Eu memorizei seu rosto, cada detalhe de suas expressões enquanto me afastava dele em direção a mata fechada.

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