Ilha de Delos

Oie!

Para variar, esse conto começou com um sonho. Nele, eu conseguia ver bem a cena de guerra e a bonita moça que procurava por algo. Desenvolvi um texto curto. Infelizmente enquanto não terminar a Nova Terra, não vou conseguir pensar em outra historia, mas eu acho que temos um novo projeto de livro para frente:)

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A Ilha de Delos

O céu estava azul, sem nuvens e o ar era denso e quente. Eu sentia um aroma de ferrugem, misturado à maresia em meu nariz. As montanhas erguiam-se a minha esquerda, com várias bandeirolas avermelhadas voando pelo vento. Mais a frente o mar brilhava azulado, enquanto pequenos barcos boiavam. Continuei andando, meus pés tocando em corpos. Várias armas pendiam no chão. Cheguei próxima á margem. Ela estava tingida de um vermelho tímido espumando cor-de-rosa próxima as embarcações.

O desespero tomou conta de mim quando vi todos aqueles corpos caídos. Onde ele estava? Chame-o uma vez, sem resposta. Iniciei então uma busca em prantos, gritando e correndo por entre os mortos.

Ele não estava lá.

Corri até as montanhas, escalando a parede de rochas claras rapidamente. Meu corpo permitia isso. Eu não tinha um arranhão. Nada ali me feriria. Não havia dor no meu corpo, nem sangue. Eu não morreria nunca. E sem ele eu desejaria poder.

Procurei seus cabelos negros, entre os tantos cabelos que havia passado. Seu cavalo chegou a mim, os olhos baixos, com o focinho tocando suavemente meus dedos.

- Guia-me – pedi.

Andamos mais um pouco. Até um corpo caído próxima a uma área verde.

Ali estava ele, meu amor, minha única razão em todos esses anos de amores inúteis e vãos. Suas pernas estavam cruzadas, e ele estava virado sobre seu ombro. Tirei o capacete com detalhes avermelhados em bronze, puxando seu pescoço a mim. Seu corpo estava mole e ainda quente. Toquei seus cabelos, tirando a franja de seus olhos. Selei meu amor com um beijo tímido em seus lábios sem vida.

Levantei seu corpo, levando-o nas minhas costas até a beira do mar. Deitei-o suavemente na embarcação fantasma e ateei fogo nela. Sua fumaça iria subir aos céus, onde era o lugar dele. Um anjo.

Andei sem rumo pelas terras devastadas pela guerra. Várias nuvens de fumaças erguiam-se ao leste. Precisava sair daqui, esquecer que a partir de hoje eu voltaria a ser só.

Os anos passaram e meu corpo continuava o mesmo. Perdemos a guerra, nosso território mudou de dono, mas eu não tinha casa. Eu era do mundo. Viajei pelo novo mundo, vi as praias de areia fina e água transparente. Observei animais que não conhecia. Vaguei por florestas tão densas e vivas, que poderia lá ficar eternamente. Não haveria como viver uma vida sem ele. Eu viveria uma vida morta. Para sempre.

Passaram-se 70 anos e resolvi pegar uma embarcação de volta á Europa. Estava vestida como uma dama. Meus cabelos loiros caiam com uma trança pelas minhas costas. Meu busto estava rosa, pelo sol dos trópicos. Meus olhos claros refletiam a água do mar. Mulheres não eram bem vindas em embarcações. Mas eu não era a única no navio. De qualquer forma, se houvesse alguma retaliação eu poderia me jogar ao mar. Não morreria afogada. E acharia a primeira ilha se tivesse paciência para nadar.

Dois meses depois desembarcamos em Portugal. Andei pela Europa sozinha por vários meses. Fui até a Ilha de Delos no mar Egeu. Lugar dos meus iguais. Às vezes esquecia-me de minha própria voz, a tanto tempo sem ser usada. Parei no templo de Hera, esperando que ela viesse a mim. Em vão. Imagino que meus irmãos deveriam estar com raiva de mim, já que rejeitei a imortalidade. Observei por um tempo o mar esverdeado á frente. O piso adornado aos meus pés e a grande quantidade de mercadores não me deixou descansar. Resolvi voltar a Italia.

Aquela paisagem de corpos não saía da minha mente. Mas eu voltei à mesma cidade daquele dia. Andei sem rumo, procurando o motivo que me levara aí. Um senhor, queimado de sol, a pele retorcida pela velhice, os cabelos brancos e cacheados, deixando á mostra a orelha grande e os olhos protuberantes me olhavam com excessiva curiosidade.

- Olha Senhora. Posso oferecer-lhe frutas? – ele indicava as frutas frescas ao seu lado.
- Claro. – agradeci pegando um cacho de uvas.

- Eu a conheço senhora. E me lembro de seu amante, naquele dia de guerra. – ele me olhava tão profundamente como se visse minha alma. –Ele era meu irmão de coração, e eu sabia como ele amava a senhora. Vejo que continua tão formosa como eras na época. – ele me disse com um sorriso sem dentes. – Ele voltou sabia? – ele me olhou profundamente agora.

- Não entendo? – segurei as mãos finas do senhor.

- Ele renasceu, e é meu filho. Venha comigo que eu lhe mostrarei. – ele me arrastou pela rua de pedras.

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